Festival de Almada
De 2 a 25 Julho 2021
A 38.ª edição do Festival de Almada decorre entre 2 e 25 de Julho em sete teatros de Almada e Lisboa — Teatro Municipal Joaquim Benite, Fórum Romeu Correia, Incrível Almadense, Academia Almadense, Teatro-Estúdio António Assunção, Centro Cultural de Belém e Teatro Nacional D. Maria II — apresentando um total de 21 produções divididas por 108 sessões.
No ano em que se comemoram os 50 anos da Companhia de Teatro de Almada (que estreia duas criações), a programação do Festival retoma a sua dimensão internacional, sendo de destacar a participação de criadores e intérpretes como Ivo van Hove, Josef Nadj (que dirigirá a formação O sentido dos Mestres), Jan Lauwers, Viviane De Muynck, Monica Bellucci, François Chattot ou Chico Diaz. Apresentando um conjunto de peças da dramaturgia clássica (Eurípides, Alfred de Musset) e contemporânea (Joyce, Pasolini, De Filippo, Tennessee Williams, Édouard Louis), o Festival de Almada inclui seis textos de autores portugueses e quatro estreias, num ano em que várias criações se debruçam sobre o continente africano e a problemática do pós-colonialismo. Além disso, o festival tem 5 textos de autores franceses.
Os 5 espetáculos de autores, coreógrafo, atora, encenadora francese.a.s são os seguintes:
De 2 a 5 de julho, História da violência de Édouard Louis e encenação de Ivica Buljan no Fórum Municipal Romeu Correia
Na véspera de Natal, na Place de la République, em Paris, Édouard conhece Reda, um descendente de argelinos. Conversam, começam a flirtar e Édouard convida Reda para subir ao seu apartamento, onde passam a noite juntos. Reda fala sobre a sua infância, sobre a vida duríssima do pai, e quando está prestes a ir-se embora, Édouard descobre que o seu smartphone desapareceu. Reda puxa então de uma pistola, ameaça Édouard, e a agressividade leva à extrema violência e até mesmo à violação. O que se segue demonstrará o poder esmagador do preconceito contra a homossexualidade e os imigrantes, e a que ponto a violência está afinal desse lado, do daqueles que não aceitam o desvio à norma – seja o da identidade cultural ou sexual.
A narrativa (Histoire de la violence, 2016) reconstrói com liberdade literária uma noite similarmente traumática experienciada pelo escritor Édouard Louis, num retrato impiedoso das atuais sociedades. Um texto corajoso, por um dos mais jovens e promissores autores franceses dos nossos dias, cujas obras foram já traduzidas e encenadas em vários países.
Espetáculo em Esloveno, legendado em português
De 2 a 7 de julho Amitié de Eduardo De Filippo e Pier Paolo Pasolini e encenação da francesa Irène Bonnaud, no Incrível Almadense
Estreado no Festival d’Avignon de 2019, o espectáculo assenta numa narrativa oral, ao modo dos contadores de histórias. «Um estábulo onde não há nada, nem Jesus, nem Maria, nem José, nem burro nem boi – apenas a luz inútil da estrela», como escreveu Pier Paolo Pasolini (1922-1975), para quem a simplicidade era a maior virtude da arte, por contraste com a estética «do grande espectáculo porno-teológico» da era contemporânea, o da tevê e das super-produções de Hollywood. Servindo uma ideia de teatro em que também Eduardo De Filippo (1900-1984) se revia, evocam-se aqui as trupes ambulantes que percorriam Itália de lés a lés. Desconhecida do grande público, a amizade que unia Pasolini e De Filippo era profunda. Esta história celebra-a.
Destinado a um road movie que não se concretizou em razão do assassinato de Pasolini, o texto foi trabalhado sem perder de vista a dinâmica de uma narrativa de estrada, uma viagem durante a qual o herói pasoliniano se cruza com os protagonistas da obra de Filippo. Viagem por épocas e estilos, realizada por três atores formados na grande tradição do teatro artesanal: François Chattot e Martine Schambacher, já conhecidos do público do Festival de Almada, a que se junta agora Jacques Mazeran. Um espectáculo enxuto e cheio de vitalidade, dirigido pela encenadora Irène Bonnaud, conhecida e reconhecida pelas suas abordagens fortemente políticas ao teatro.
Espetáculo francês, legendado em português.
De 8 a 10 de julho, Quem matou o meu pai, de Édouard Louis e encenação de Ivo van Hove, no Teatro Nacional D. Maria II
O encenador belga Ivo van Hove realiza neste espetáculo uma adaptação para a cena do livro homónimo de 2018 assinado pelo ainda muito jovem autor-sensação francês Édouard Louis – um escritor assombrado pela injustiça social e que tem marcado com desarmante coragem a emergência de uma muito aguardada e necessária geração de autores europeus interessados em escrever sobre os deserdados das democracias pós-coloniais. Um fosso que não apenas se perpetua como se alarga: entre os que têm uma espécie de direito natural a viver e os que nascem para sofrer. “Escrevi isto para o desgraçar”, disse Louis a Emmanuel Macron no Twitter.
Espetáculo em Holandês, legendado em português
De 9 a 11 de julho, Omma do coreógrafo Nadj no Teatro Municipal Joaquim Benite
Omma, em grego antigo, significa olho, olhar, o que se vê e até mesmo espectáculo. A nova criação de Josef Nadj remete, assim, para o essencial: olhar para o que se passa diante dos nossos olhos para melhor ver o fundo de nós próprios. Com esse objectivo em mente, o coreógrafo regressa à essência da dança, ao trabalho da simplicidade, concentrando-se no movimento, na voz, no fôlego, no ritmo e na musicalidade. Oito homens, uma parcela da Humanidade, dançam juntos. Cada um transporta em si um universo, e o conjunto dos seus gestos constitui uma cosmogonia, perseguindo um desejo muito simples: o de recomeçar a viver, o de incessantemente viver, permanecendo despertos e plenamente presentes no Mundo. No confronto entre o seu imaginário e o dos oito bailarinos, todos originários do continente africano (do Congo, do Mali, do Senegal, da Costa do Marfim e do Burkina Faso), Nadj construiu pequenas narrativas, tantas quantos os elementos singulares que enformam uma matéria plural. Encontro com o outro, encontro com a nossa relação com a Natureza, com o infinito, com o tempo, com os vestígios do passado, com o destino. Uma história dançada sobre a génese da nossa humanidade.
De 10 a 11 de julho Maria Callas – Lettres et mémoires de Tom Volf, com a Monica Belucci, no CCB – Centro Cultural de Belém
Nos finais de 2019, por altura do lançamento do livro Maria Callas Lettres&Mémoires, de Tom Volf, Monica Bellucci estreou-se nos palcos de teatro, realizando uma série de leituras de excertos dessa obra. Da infância modesta que Maria Callas (1923-1977) teve em Nova Iorque até aos anos da guerra em Atenas; do seu discreto debute na ópera até aos píncaros de uma carreira planetária marcada por escândalos e provações pessoais; do amor idealizado pelo marido até à paixão por Onassis, este espectáculo leva-nos a descobrir a história verdadeira por detrás da lenda. Levanta-se o véu que tanto cobre Maria – a mulher vulnerável, fendida entre a sua vida nos palcos e a sua vida privada – como Callas, a artista vítima da exigência para consigo própria e da batalha perpétua que travou com o canto. Apesar da solidão dos últimos anos vividos em Paris, continuou a trabalhar sem descanso até ao último suspiro, aos 53 anos de idade. Eis pois um auto-retrato fascinante e perturbador da maior voz do século XX.
Espetáculo francês, legendado em português.